O surgimento da visão subjetiva (1810
– 1840) foi um dos desenvolvimentos mais importantes da história da cultura
visual (visualidade). O funcionamento da visão tornou-se dependente da
constituição fisiológica, o que tornou a visão imperfeita, discutível e
arbitrária. A visão ou qualquer um dos sentidos, não podia mais reivindicar uma
objetividade ou certeza essenciais. Por volta de 1860, foram definidos os
contornos de uma crise epistemológica, na qual a experiência perceptiva perdera
as garantias em relação à criação do conhecimento.
Um regime disciplinar de atenção foi imposto
pela lógica do capitalismo que tornou o problema da atenção fundamental devido
à crise contínua sofrida por ela com a introdução de novos produtos, novas
fontes de estímulo e fluxos de informação, respondendo com novos métodos de
administrar a percepção.
O sistema econômico emergente
demandava atenção em relação a uma ampla gama de novas tarefas produtivas, pois
o capitalismo e a modernidade exigem que mudemos nossa atenção rapidamente de
uma coisa para outra.
O problema da atenção é moderno. A
atenção era o local de observação, classificação e mensuração, através da qual
muitos conhecimentos foram acumulados.
A atenção e a distração não eram dois
estados essencialmente diferentes, mas conviviam juntas. A atenção se
intensificava e diminuía, subia e descia, de acordo com um conjunto de
variáveis. Ela foi descrita como o que impede nossa percepção de ser um fluxo
caótico de sensações. É muito mais que uma questão de contemplação, de olhar,
de oticidade. A visão é a camada de um corpo que pode ser capturado.
Vários estudos sobre atenção a
distinguem em duas formas. A primeira era a atenção consciente e voluntária,
orientada por tarefas e associada a comportamentos mais desenvolvidos. A
segunda era a atenção automática ou passiva, que incluía as áreas da atividade
habitual, fantasias, devaneios. Mas essa teoria nunca foi totalmente
confirmada.
É possível fazer uma conexão entre a
atenção e um quadro do pintor Edouard Manet (pintor francês nascido em 1832 e
falecido em 1883). Uma das figuras mais importantes da arte do século XIX. Suas
principais obras foram: Almoço na relva ou Almoço no campo, Olímpia, A sacada,
O tocador de pífaro, A execução de Maximiliano e Na estufa (Dans la
serre) de 1879, que será analisado aqui.
“Na estufa” foi exposto no Salão de
1879 e provocou reações fortes e críticas por Manet ter se afastado de seu
estilo mais ambicioso e por fazer concessões ao público ao pintar mãos e faces
com mais cuidado que o normal. Outros consideram esta obra mais conservadora
por trazer pouco da inventividade e
audácia de outros quadros. Talvez ele tenha modificado seu estilo, para uma
maior aceitação, depois da rejeição sofrida no Salão de 1970.
O quadro é como um mapeamento
complexo das ambigüidades da atenção visual.
Foi denominada de facialidade o
predomínio da face nos quadros. Manet pintou
cuidadosamente a face feminina. Essa parecia ser uma mudança em sua
prática. Em grande parte da obra de Manet, a impressão e a atmosfera da face
tornam-se um terreno novo e inquietante.
Alguns pontos de compressão e
restrição prendem a mulher, como o espartilho, cinta, pulseira, luva e anel. Em
contraponto com a figura curvada e encolhida do homem. O que indica sujeição e
coação numa corporalidade organizada e inibida. Os potes de vasos e flores também representam uma
clausura, como um instrumento de domesticação. Até mesmo a grade do banco é um
pequeno eco da figura cilhada da mulher, como se a madeira estivesse comprimida
por uma presilha.
A sensação de estar preso, também é
devido ao emaranhado de verde atrás das figuras. Manet aplicou uma camada de
tinta tão espessa na vegetação, que ela parece estar mais próxima de nós do que
o homem e a mulher.
A temática da pressão e compressão é
sugerida pelo título do quadro Dans la
serre. A palavra francesa serre,
“estufa”, significava um lugar fechado e é também uma forma do verbo serrer que significa apertar, segurar
com força, prender com firmeza.
A figura da mulher é um exemplo de
palidez do vazio psicológico ou do descomprometimento relacionado a Manet? Ela
está perdida em pensamentos, em absorção vazia ou em um quase transe? Nos é
mostrado um corpo cujos olhos estão abertos, mas não vêem, não aprendem, não
fixam. É possível vê-la como uma apresentação pública de domínio impassível do
ego.
Há semelhança entre a posição das
figuras no quadro e uma das primeiras formas de prática terapêutica: um método
de ficar atrás dos pacientes histéricos e murmurar-lhes enquanto eles pareciam
estar desatentos.
Manet sugere uma atenção e/ou
distração ambíguas na forma como pintou os olhos do homem. Seus dois olhos são
mostrados como separados. Um olho aberto, olhando além e talvez acima da
mulher, enquanto do outro olho só se vê as pálpebras, talvez esteja olhando
para o guarda-chuva da mulher, sua mão enluvada ou para o anel em seu dedo. São
dois eixos óticos díspares, onde a pontualidade da visão é desfeita.
A energia de ligação vem das duas
alianças de casamento, próximas uma da outra, perto do centro do quadro. Seria
um par conjugal (os modelos para o quadro também eram casados), ou um encontro
ilícito entre um homem e uma mulher casados com terceiros? Os anéis de
casamento estão relacionados a desejo contido e canalizado como o torso com
cinto e espartilho da mulher. É possível sugerir que o fato de as figuras
estarem separados pela grade do banco, sem comunicação, represente uma noiva e
um solteirão enredados por uma incompletude perpétua.
O não-acontecimento também é sugerido
pelos dedos que por pouco não se tocam, uma tatilidade que se tornou
anestesiada ou paralisada, mesmo que a mão da mulher esteja sem luva, pronta
para iniciar ou receber uma carícia.
A efemeridade da atenção entrou em
jogo com o surgimento do mundo mercantil da moda, como um comportamento
produtivo da modernização. A figura da mulher adornada como uma flor entre as
flores ou da moda como um avanço florescente, representa que a mercadoria é
parte da organização sufocante do quadro.
O declínio do observador pontual ou
ancorado aconteceu pelo sujeito atento instável. Um sujeito que irá se tornar o
objeto de todas as indústrias da imagem e do espetáculo no século XX, incluindo
o cinema.
* Todas as pinturas presentes nesta postagem são de autoria de Edouard Manet e o texto de Jonathan Crary.
Doe Medula Óssea. Doe vida para seu próximo:
Rodrigo Faro também apoia essa ideia.
Oi, Gilberto! É interessante ler sobre esses diversos aspectos, inclusive históricos, para compreender e atentar para a riqueza de detalhes das obras. Um abraço!
ResponderExcluirComo estudante de história....amei o texto.
ResponderExcluirAmo apaixonado por arte....amei as imagens.
abs
Olá!!!!
ResponderExcluirÓtimo texto.
Beijos!!!
Ótimo texto.. simplificou e muito o texto de Jonathan Crary..
ResponderExcluirObrigado Aryanne Soares.
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