Gabriela Ferraz senta-se triste em
seu surrado sofá da sala, lembrando-se do glamour de sua mansão do passado,
quando toda a alta sociedade do Rio de Janeiro ia procurá-las. Alguns apenas
com o interesse e sair nas colunas sociais e outros diziam ser seus verdadeiros
amigos. O dinheiro compra todos os amigos do mundo. Agora vive numa casa pobre
com apenas três cômodos, um banheiro e alguns móveis velhos.
Pensa na sua carreira de 50 anos como
atriz e se entristece ao lembrar que o último trabalho a que foi convidada foi
há dez anos atrás. Tinha corpo formoso e rosto delicado. Todos os homens davam
um braço se fosse preciso para desfrutar de sua companhia nos bailes.
Papel de protagonista nos melhores
dramas do teatro brasileiro. Um troféu de melhor atriz por uma tragédia
shakespeariana, permanece em cinema da estante apanhando poeira. Se alguém pelo
menos se interessasse em
comprá-lo. Podia usar o dinheiro para fazer as compras no
supermercado. A despensa está ficando vazia.
Ninguém se interessa por passado. O
povo não tem memória. Seus fãs já morreram todos. Se pelo menos aparecesse um
convite para atuar numa novela, mesmo que em papel pequeno. O último comercial
que fez foi para uma empresa de fraldas geriátricas. Que vergonha! Uma atriz do
seu quilate se prestar a esse papel vergonhoso. Ainda bem que seus fãs já estão
quase todos mortos, pois se alguém a visse daquele jeito não acreditaria.
Precisa pagar as contas como qualquer
ser humano. A aposentadoria mal dá pra comer. As pessoas pensam que quando um
ator está há muito tempo sem trabalhar, ele está tirando férias, mas onde já se
viu férias tão longas?
Se soubesse que passaria tantas
necessidades agora, não teria esbanjado tanto no passado. Tanto dinheiro
jogador fora com coisas desnecessárias. Viagens intermináveis pelo mundo afora,
roupas exclusivas de estilistas famosos, carros importados...
Como num sonho ela vê todos os seus
bens voando pela janela, para pagar as dívidas. Uma a um, eles se foram,
ficando apenas aquela pequenina casa, naquele bairro pobre.
Quase não recebe visitas. É melhor
assim, os visitantes só dão despesas extras e ela não pode se dar a esses
luxos.
O telefone toca.
_ Não sei como ainda não cortaram o
telefone. Seis meses de atraso. Devem estar esperando fazer aniversário de um
ano.
De repente, uma ideia maravilhosa
passa por sua cabeça: um convite de trabalho! É isso: um produto. É isso: um
produtor está ligando para convidá-la para uma peça teatral. Treme de prazer só
de imaginar. Esboça um sorriso, como se pudesse ser vista através do aparelho
telefônico. Imagina a fama novamente lhe rondando. As pessoas lhe pedindo
autógrafos. O dinheiro novamente em sua conta bancária. Poder se mudar daquele
muquifo onde mora para um lugar mais confortável, onde possa receber
alegremente os diretores atores de seu novo trabalho. Um carro com motorista
particular para ir aos compromissos dignamente e roupas novas, pois as suas
estão em frangalhos.
O telefone continua tocando e ela
sonhando com esse mundo perfeito criado por ela mesma em sua sonhadora cabeça.
É melhor atender antes que desistam de lhe dar o papel principal nessa mais
nova produção do teatro brasileiro.
Coloca uma gota de perfume vencido,
daquela época gloriosa, atrás da orelha, imaginando a limusine encostando na
porta de sua casa. O chofer lhe abrindo a porta gentilmente com um sorriso
verdadeiro e gratificante no rosto por estar podendo servir a famosa Gabriela
Ferraz, estrela de 60 filmes, 40 peças de teatro, 20 novelas de rádio e 15 de televisão,
10 fotos-novela e dezenas de especiais.
O telefone ainda toca. Ela resolve
atender finalmente depois de se maquiar toda.
_ Alô – diz alguém do outro lado.
_ Alô.
_ Quem fala?
_ A famosa atriz Gabriela Ferraz.
_ Gabriela, o quê?
_ Gabriela Ferraz. A preferida do
diretor Nelson Pereira dos Santos. Você contrata para qual companhia de teatro?
_ Companhia nenhuma, minha senhora.
_ Então por que me ligou?
_ Esse não é o telefone do disque
sexo?
_ Me respeite. Quem pensa que eu sou?
_ Desculpe então. Foi engano – diz
desligando o telefone.
Kkkk... ótima crônica! E quantos artistas não acabam assim! Abraços!
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