Gilberto Carlos
Carla tinha 15 anos, era uma
adolescente como outra qualquer, com todos os seus hormônios borbulhando de
vontade de namorar e aproveitar a vida.
Seu pai, Inácio, não concordava com
todo esse assanhamento e achava que a filha ainda era uma menina.
Todas as noites era o mesmo drama.
Ela querendo sair com os amigos e seu pai não deixando nunca.
_ E aí, velho, vai dá pra me liberar
pra eu sair com a galera, essa noite?
_ Que palavreado é esse Carla? Não
está mais freqüentando a escola?
_ Tô, mas acho aquilo uma chatura. Eu
sei mais que todos os professores juntos.
_ Quem te disse isso?
_ A galera.
_ Quem é galera?
_ Uns colegas da escola.
_ Eles disseram que você é
inteligente pra te comprar. Pra atrair você pra gang deles.
_ Me respeita, velho. Nós não temos
uma gang não. Só queremos aproveitar a vida.
_ Não me chame de velho! Cadê o
respeito? A galera pegou emprestado?
_ Por que você não quer encarar a
realidade? Seu espelho quebrou? A idade chega pra todo mundo, querendo você ou
não.
_ Eu posso não ser mais um rapazinho,
mas não precisa ficar me jogando isso na cara o tempo todo.
_ Desculpa aí, foi mal.
_ Não ainda pedir desculpas. O
arrependimento tem que vir do fundo do coração e acho que esse não é o seu
caso.
_ Tá querendo insinuar que eu não
gosto de você?
_ Eu tenho minhas dúvidas.
_ Já sou uma moça e tenho que largar
a barra de sua calça. Não posso ficar debaixo de suas asas o tempo todo. O
mundo é uma selva, a gente tem que estar preparado pra tudo. Você não vai viver
para sempre.
_ Porque você não me chama de senhor,
como todo filho respeitador?
_ Senhor tá lá no céu. Ninguém aqui
embaixo merece ser chamado assim.
O silêncio pairou na sala por alguns
segundos.
_ E aí, vai me liberar? - perguntou
ela.
_ Você fala como se fosse uma prisioneira.
_ Não sou, mas me sinto como tal,
numa prisão de luxo, feito aquelas dos políticos.
_ Eu não quero que você fique presa
aqui, mas também não quero que você saia com aquela turma barra pesada.
_ Nenhum deles é barra pesada.
_ Ah, não? Então porque usam aquelas
roupas e tem tantas tatuagens espalhadas pelo corpo?
_ Aquilo é um estilo devida.
_ Um estilo meio alternativo pro meu
gosto.
_ Você está sendo preconceituoso,
fazendo um julgamento precipitado sem antes conhecê-los melhor.
_ Não conheço e nem faço questão de
conhecer.
_ Viu, por isso que é difícil
conversar com você, que não cede um triz. Não procura me compreender.
_ Então empatamos. Você também não
procura entender as razões de eu te querer sempre perto de mim.
_ Eu sei essas razões. Depois que
mamãe morreu naquele maldito acidente, você está sobrecarregado com essas
funções de pai e mãe.
_ Você não faria o mesmo? Quero
apenas ter proteger, pois eu tenho muito medo de te perder.
_ Você não vai me perder. A mamãe
morreu, mas eu ainda estou viva e como vivente eu necessito ver as coisas,
conhecer lugares, eu preciso ser feliz.
_ Filha, você vai fazer tudo isso,
mas não precisa tanta pressa. O mundo não vai acabar amanhã.
_ Quem te garante?
_ Então o problema é esse? Você tem
medo de morrer sem ter aproveitado o máximo que podia.
Os olhos de Carla encheram-se de
lágrimas.
_ E não foi isso que aconteceu com a
mamãe?
_ Me abraça, filha. Sei que nessa
idade vocês precisam muito de atenção.
_ Mais do que qualquer outra coisa.
_ Aquilo que aconteceu com a sua mãe
foi uma fatalidade. Não vai acontecer com você. Não precisa ir com tanta sede
ao pote. Você tem a vida inteira pela frente.
_ O tempo passa depressa. Quando
menos se espera já não há mais tempo... pra nada.
_ Eu já estou do meio pro fim, como
dizia minha avó, porém você tem todo o tempo do mundo. Pode errar e tentar de
novo, quantas vezes for necessário.
Carla abaixou a cabeça e ficou
calada.
_ Ainda quer sair?
_ Hoje, acho que não. Vou pensar um
pouco na minha vida.
_ Ta parecendo uma velha, falando
desse jeito. Você vai sair sim, mas comigo. Vamos ao cinema, há um filme
brasileiro ótimo sendo exibido.
_ Você compra pipoca pra mim?
_ É claro.