sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO


Em 1988, o cineasta Martin Scorsese (Taxi Driver) dirigiu o polêmico filme “A última tentação de Cristo” , que causou grande reação por parte da Igreja Católica com perseguições, boicotes, protestos e até ameaças contra sua exibição, quase tudo injustificado já que no início do filme, antes mesmo dos créditos, um letreiro anuncia que a história não é baseada nos Evangelhos e sim no livro homônimo ficcional do escritor grego Nikos Kazantzakis que explica com um trecho do livro a essência do filme:

“A natureza dupla de Cristo, a ânsia tão humana, tão sobre-humana do homem alcançar Deus, sempre foi um profundo mistério para mim. A principal angústia, a fonte de minhas alegrias e tristezas, desde a juventude tem sido a interminável e implacável batalha entre o espírito e a carne e a minha alma é a arena onde estes dois exércitos se encontram e combatem.”


É de uma forma bem humana que Cristo é mostrado na pele de Willem Dafoe, ao contrário dos filmes baseados nos Evangelhos em que ele aparece sempre de forma divina e sem mácula. Aqui ele tem dúvidas, medos e desejos como qualquer outro ser humano. Sente-se relutante em assumir o papel de Messias, nutre uma paixão não consumada por Maria Madalena a quem visita em um bordel.

Em uma só fala, ele assume todas as suas fraquezas:

_ Sou um mentiroso, um hipócrita. Tenho medo de tudo, não digo a verdade. Não tenho coragem. Quando vejo uma mulher, coro e viro a cara. Quero-a mas não a tomo, por Deus e isso me faz sentir orgulhoso. Quero revoltar-me contra tudo, mas tenho medo.

É um Cristo bem diferente daquele que estamos acostumados a ver normalmente nos filmes, a ler na Bíblia ou até mesmo imaginar e acreditar e por isso deve ter chocado tanto, principalmente os mais conservadores. Mas apesar de ficcional é bem verossímil, já que Cristo viveu entre os humanos, como um humano talvez fosse natural que ele sentisse as mesmas coisas que nós.

As cenas mais polêmicas são as de nudez feminina, principalmente de Maria Madalena (Bárbara Hershey); o fato de Cristo ir vê-la com outros homens e a cena dos dois transando, já na parte final, mas tudo é mostrado discretamente por Scorsese que também é católico.



















Apesar de não ser baseado nos Evangelhos, várias passagens da Bíblia estão presentes, com maior ou menor alteração, como o batismo no Rio Jordão por João Batista; a tentativa de apedrejamento de Maria Madalena; os 40 dias no deserto, onde é tentado pelo demônio, na forma de uma serpente, de um leão e do fogo; a ressurreição de Lázaro por Cristo, além de outros milagres como o do homem que volta a enxergar; a destruição do templo de orações que foi transformado em mercado...

A virgem Maria quase não é mostrada, a não ser em um momento quando Cristo a rejeita dizendo que não tem mãe e que é só filho de Deus, mas depois se arrepende quando grita por ela no momento da crucificação.

A cena da crucificação é interrompida quando Satã disfarçado de anjo da guarda leva Cristo para casar-se com Maria Madalena (em um quase delírio em que ele vislumbra como poderia ter sido sua vida se ele não tivesse sido crucificado), que logo depois morre, então ele se casa com Maria, irmã de Lázaro, com quem tem dois filhos.

Já que a humanidade não foi salva por ele, o povo sente sua falta, quando Pedro tenta convencê-lo já velho, de que ele não fez a melhor escolha fugindo da crucificação e explica a necessidade que as pessoas têm de acreditar para continuar vivendo.

_ Não sabes o quanto as pessoas precisam de Deus. Não sabe quanto Ele as pode fazer felizes para tudo. Ele pode fazê-las felizes para morrer e elas morrem. Tudo por Cristo, por Jesus Cristo, por Jesus de Nazaré...

Barbara Hershey é Maria Madalena
O elenco traz Willen Dafoe (Cristo), Harvey Keitel (Judas), Bárbara Hershey (Maria Madalena), Harry Dean Stanton, David Bowie, Verna Bloom e Irvin Kershner.

O roteiro foi escrito por Scorsese e seu eventual colaborador Paul Schrader.

A última tentação de Cristo tem 163 minutos e apesar do tema polêmico, merece ser conferido sem medo por todos, independente de credo ou crença.


6 comentários:

  1. Salve Gil!

    Amigo, este é um filme que não vejo com entusiasmo, não pelo fato de ser polêmico (assisti este filme no lançamento, no extinto Cine-Metro Boavista aqui no Rio de Janeiro), mas porque tem um enredo que chega a cansar, e mesmo porque o filme não retrata Jesus em seus mais íntimos pensamentos, mas na verdade é o próprio autor da obra, Nikos Kazantzakis, que sente na pele a dualidade de Cristo. Considero um devaneio de Kazantzakis, o que custou muito a ele em vida, que quando morreu não pôde ser sepultado em solo sagrado em sua própria terra.

    Mas sem dúvida, traz grandes talentos. Willen Dafoe se sai bem em quase tudo que faz. Keitel anda sumido, e é outro talento notável. Bárbara Hershey é outra que sumiu, e é uma pena porque é uma notável atriz.

    Harry Dean Stanton, um veteraníssimo de Hollywood, é um ponto chamativo do filme, pois desempenha Paulo de Tarso. Particularmente, nunca apreciei este personagem, de maneira que ele "inventou" o Cristianismo como o conhecemos, mas a fita esboça exatamente a face desse homem, que era exaltadamente fanático, e Dean Stanton concebe mais do que uma atuação competente e magistral.

    Forte abraço

    PAULO NÉRY
    FILMES ANTIGOS CUB ARTIGOS
    http://www.articlesfilmesantigosclub.blogspot.com/

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  2. Eu precisaria assistir novamente. Scorsese tem alguns filmes cults e este foi o mais polêmico.

    Bela lembrança Gilberto.

    Abs.

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  3. Nunca conferi esse filme sua plenitude, mas acredito em sua grandeza. Otima resenha, grande abraço e feliz natal. Grato pela interação constante.

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  4. Feliz natal Gilberto!

    Sou curioso demais para assistir este filme, mas pela atuação de Dafoe e pela direção de Scorsese do que pela trama em si. Eu acredito que como humano Jesus tenha tido sim dúvidas, a própria bíblia diz que em tudo Ele foi tentado e a tentação só funciona como tal quando o indivíduo experimenta a dúvida em ceder ou não ceder a ela... Não acho que isso seja um sacrilégio por si só, preciso assistir ao filme para tirar minhas conclusões...

    http://www.sublimeirrealidade.blogspot.com/2011/12/o-silencio-de-melinda.html

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  5. Condordo com o Paulo Nery, em que a história foi escrita segundo a visão de Kazantzakis. A visão dele é a visão que todo autor tem de algo,uma visão bem íntima e particular. O que fazem é expressar isso, seja na literatura, seja na música, na dança, nas telas, na fotografia, ou no cinema.Também tenho minha visão de Cristo. Penso nele como um homem, não comum,mas um homem,não um santo; Um líder, um idealista, carismático, inteligentíssimo, sensível, de percepções que iam além, um homem notável, com senso de justiça apurado, um socialista, um homem com desejos, necessidades, medos,angústias, iras, fraquezas, e todas as emoções de um ser humano, controladas, equilibradas, conscientes.
    Esse homem, na minha visão, morreu por questões políticas, pelo temor de outros homens de perderem o poder, o comando da massa. A fixação pelo poder, a covardia, a omissão e a conveniência, coisas muito atuais, determinaram sua sentença. Não sabemos ao certo o que houve, pois a Bíblia foi escrita por homens,e desde então, traduzida para inúmeros idiomas, cada qual com suas características linguísticas, cada povo com sua própria visão.
    Excelente filme, esse, Gilberto. Um dos meus preferidos. E não consigo ver outro ator que não Willen Dafoe para o papel de Cristo. Foi um filme polêmico porque o que contraria uma convicção religiosa,sempre causa impacto, e revolta. Ninguém considera que possa ter alguma lógica,ninguém para para pensar.
    Desculpe , Gilberto, se falei demais.

    um abraço.

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  6. Não sou a favor de ficar se fazendo uso da imagem de Cristo de um modo diverso, mesmo a imagem e tudo o que conhecemos Dele ter sido uma criaçao da "Dona de Nossos Ideais, a Bendita IGREJA". Ela ditou estas regras e o melhor a fazermos é seguir esta linha para não complicarmos mais a nós mesmos.
    Prefiro não entrar em conflitos intimos a este respeito e seguir cultuando a Imagem do Senhor conforme os Donos da Religião no mundo pontificou.
    Claro que o tema é complicado, diverso, muito diferente de tudo o que conhecemos e sabemos. No entanto o melhor a fazer é seguir cultuando Jesus como o conhecemos através da Religião Catolica e deixarmos de lado polemicas, que somente irão nos confundir mais a mente e seguir nos deixando indecisos, vagos, perdidos.
    O tema é duro, difícil, complexo, ditador, incisivo, muito diversificado, cheio de falsas informações e mentiras a ermo. Muito mais ainda virá de noticias sobre este tema por aí, pois os donos da verdade cada dia nos chegarão com mais e mais novas informações.
    Meu filme sobre a vida de Jesus segue sendo O Rei dos Reis. Continuo achando o melhor para mim é seguir crendo em tudo o que vi na fita de Nicholas Ray. Os demais prefiro não ver, para não entrar em conflitos comigo mesmo.
    jurandir_lima@bol.com.br

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