quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A SEMIÓTICA EM TUDO SOBRE MINHA MÃE - PARTE 2



Continuando a falar de Semiótica no filme “Tudo sobre minha mãe”, agora analisarei as funções de linguagem de Jakobson e a análise sintática de Wölfflin e mais alguns dados sobre a linguagem visual de Pierce.

A função emotiva está presente em cada fotograma do filme de Almodóvar. O drama conta a história de uma mãe, Manuela (Cecília Roth), que esconde de seu filho Esteban (Eloy Azorin), quem é o seu pai. O sonho de Esteban é ser escritor e enquanto aguarda uma chance de mostrar seu talento, ele escreve suas memórias em um caderno entitulado “Tudo sobre minha mãe”.

Na noite de aniversário de seu filho, Manuela o leva para assistir a uma montagem de “Um bonde chamado desejo” de Tenesse Williams, do qual ela própria havia participado de uma montagem amadora, quando jovem. Huma Rojo (Marisa Paredes) é a famosa atriz que participa da peça atualmente. Manuela promete contar tudo sobre o pai de Esteban, quando chegarem em casa, o que se torna impossível, pois Esteban sai correndo atrás do carro de Huma, é atropelado e morre.


Manuela trabalha na central de transplante de órgãos, encenando casos em que incentiva a doação e é doloroso quando o mesmo acontece com ela, quando lhe dão a notícia de que o filho morreu, mas seus órgãos podem ser transplantados e ajudarem outras pessoas.

Após a morte do filho, Manuela resolve viajar para Barcelona para encontrar o pai de seu filho, que também se chama Esteban. Os dois se conheceram quando participaram de uma montagem amadora de “Um bonde chamado desejo”. Depois de um tempo juntos, Esteban viajou e quando voltou estava diferente, tinha colocado seios, se vestiu de mulher e adotou o nome de Lola. Quando engravidou dele, Manuela viajou para Madri e não lhe contou a verdade, o que pretendia fazer agora, vários anos depois.

Pedro Almodovar e Antonia San Juan

Enquanto procura por Lola, Manuela reencontra Agrado (Antonia San Juan), uma velha amiga travesti, que na verdade é interpretada por uma mulher. As duas vão procurar emprego em um convento onde trabalha Rosa (Penélope Cruz), uma freira assistencialista que está grávida de Lola e também com o vírus da AIDS.

O filme também traz uma função metalingüística bem forte. De início, quando Manuela e o filho assistem na televisão uma versão dublada do filme A Malvada (1950) com Bette Davis e até reclamam da mudança dos títulos dos filmes nas versões dubladas. E depois no decorrer de todo o filme, quando o drama de Manuela se mistura com o drama da peça “Um bonde chamado desejo” e as atrizes que interpretam personagens passam a interpretar também atrizes.

Manuela consegue emprego como ajudante de Huma e até participa da peça quando uma outra atriz que é viciada em drogas e também amante de Huma falta ao trabalho. Posteriormente é Agrado quem vai trabalhar com Huma e em uma noite em que as atrizes principais brigam, é ela quem toma conta do palco em um monólogo onde conta ao público o quanto gastou para se parecer com uma mulher. Agrado também cita o filme “Como agarrar um milionário” quando vai visitar Manuela e encontra as três mulheres sozinhas no apartamento (Manuela, Rosa e Huma). Bette Davis é citada novamente quando Huma conta que começou a fumar por causa dela.

Rosa (Penelope Cruz) e Manuela (Marisa Paredes)

É possível verificar também resquícios do Renascimento e da Arte egípcia, pois o filme conta com uma linguagem linear, uma clareza absoluta em todas as cenas. Apesar de não haver referências explícitas à religiosidade ou figuras santas, fica claro o papel de mãezona de todos os personagens desempenhado por Manuela, mais ou menos como Nossa Senhora, que abdica de várias coisas pelo seu filho ou por aqueles que ama e considera como seus.

Depois que perde seu filho amado, aparecem no caminho de Manuela vários personagens deslocados e que necessitam de cuidado. Inicialmente, Agrado que está apanhando de um cafetão e é salva por Manuela, que cuida dela e depois lhe arruma um emprego como ajudante de Huma. Depois da própria Huma durante uma de suas crises com sua amante. Manuela funciona também como mãe de Rosa, a freira grávida e soropositiva que não tem coragem de contar para a própria mãe o que está acontecendo e passa a morar com Manuela já que está passando por uma gravidez de risco. E por último do filho de Rosa, o terceiro Esteban da história, depois que sua mãe morre no parto.

Agrado e o colega de palco de Huma

Quanto à classificação da linguagem visual segundo Pierce, “Tudo sobre minha mãe” se enquadra como forma figurativa, pois representa acontecimentos do mundo real, da forma como podem acontecer com qualquer um de nós, sendo classificado como 2.2.2, por se tratar de algo concreto, como se fosse um retrato da realidade.

As cores fortes dos figurinos e da cenografia, com predominância do vermelho, do azul e do amarelo e que estão presentes em todos os filmes de Almodóvar desde “Labirinto de paixões” (1982), até Volver (2006), podem parecer exagerados e até meio kitschs aos olhos de um leigo, transmitem uma emoção latente, paixão e calor que são comuns aos latinos e com certeza o que há de mais icônico em todo a sua obra, já que as cores estão ali não por acaso, mas para chamar a atenção do espectador, como se fosse um personagem à parte, o que nos remete também à função fática de Jakobson.



Chama a atenção também o amor incondicional da mãe pelo filho e pela compaixão demonstrada pelos personagens uns com os outros. Isso é citado pela personagem Estela na peça “Um bonde chamado desejo”: _ Eu sempre dependi da bondade de estranhos. A fala é repetida por Huma quando esta recebe pela primeira vez a ajuda de Manuela.

Já o lado simbólico é representado pelo drama que é outra marca registrada de Almodóvar, que sempre conta histórias tristes de perdas, doenças, morte e segredos quase inconfessáveis, mas com um alento de esperança. Apesar dele também já ter dirigido comédias rasgadas como “Mulheres à beira de um ataque de nervos” (1988) e “De salto alto” (1991). Ele ficou famoso por criar personagens femininos bem mais fortes que as masculinos e é isso o que acontece também em “Tudo sobre minha mãe”, onde os homens são meros figurantes ou querem se tornar mulheres. Estas sempre reinam em seus filmes, onde foram imortalizadas divas como Carmem Maura, Marisa Paredes, Cecília Roth, Victoria Abril, Penélope Cruz, Assumpta Serna e Francesca Neri.

“Tudo sobre minha mãe” é um filme extremamente feminino e talvez por causa disso, muito sensível. Almodóvar o dedica a Bette Davis, Romy Schneider, Gena Rowlands, a todas as atrizes que interpretam atrizes, a todas as mulheres que representam, aos homens que representam e tornam mulheres, a todas aquelas que querem ser mães e à sua mãe. Em suma, o filme ideal para quem quer se emocionar.

TUDO SOBRE MINHA MÃE (Todo sobre mi madre), Espanha, 1999. Direção: Pedro Almodóvar. Com: Cecília Roth, Marisa Paredes, Penélope Cruz, Candela Pena, Antonia San Juan. 101 min. Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro.

2 comentários:

  1. Olá, blogueiro (a),
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  2. muito boa análise! parabéns!!

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